Uma nova história de poder

O poder dos negócios é capaz de gerar bons produtos e boas empresas.

Foto de Anna Shvets disponível no Pexels.

Foto de Anna Shvets disponível no Pexels.

Um dos argumentos mais persuasivos para os negócios é que determinada iniciativa favorece o planeta e as pessoas, também gera mais resultado, visibilidade e lucro no médio e longo prazo. E como isso é possível? 

Quando uma empresa se abre para transformar sua atuação em prol de algo maior que si mesma, os seus recursos passam a tomar um lugar mais nobre dentro dos seus objetivos. Isso naturalmente desata nós que antes pareciam impossíveis de serem desatados. 

Para que isso comece é preciso nutrir uma visão mais consciente e baseada em referenciais amplos, impulsionando uma prosperidade que é compartilhada por todos.

Nesse trecho do livro Esperança Ativa, Joanna Macy traz um convite para ampliarmos nossa visão sobre poder, relações e interdependência, e pode nos inspirar nessa caminhada:

“A palavra poder vem do latim possere, que significa "ser capaz de". O tipo de poder em que vamos nos concentrar agora não é sobre dominar os outros, mas sobre ser capaz de lidar com o caos no qual vivemos. Em vez de basear-nos em quantas coisas materiais ou status nós temos, essa visão do poder está enraizada em ideias e práticas, em qualidades e relacionamentos, em compaixão e conexão com a Teia da Vida.

Uma pessoa que adotou o modelo colaborativo de poder foi Nelson Mandela. No início dos anos 1980, o governo do apartheid da África do Sul possuia um exército altamente treinado com armamento de ponta e mísseis nucleares. Mandela, representando o Congresso Nacional Africano (CNA), estava preso fazia mais de vinte anos. Enquanto muitos temiam que fosse necessária uma guerra civil para acabar com isso, o apartheid não terminou por causa de uma vitória na batalha. Em vez disso, a transformação ocorreu através de debates e acordos. Para que esse processo se iniciasse, foi preciso primeiro, como Mandela disse, "dialogar, dialogar, dialogar e não guerrear, guerrear, guerrear". Em sua autobiografia, Longa caminhada até a liberdade, ele descreveu que chegou à decisão de levar o processo adiante enquanto estava no confinamento da solitária:

“Minha solidão me deu uma certa liberdade, e resolvi usá-la para fazer algo que vinha ponderando há muito tempo: iniciar debates com o governo. Isso seria extremamente delicado. Ambos os lados consideraram as discussões como um sinal de fraqueza e traição. Nenhum deles viria à mesa até que o outro fizesse concessões significativas. Alguém de nosso lado teve que dar o primeiro passo.”

Quando reagimos a uma situação de maneira a promover a cura e a transformação, estamos expressando poder. As contribuições de Mandela para o estabelecimento de uma democracia multirracial na África do Sul nos oferecem um exemplo maravilhosamente inspirador.

Como Mandela não tinha autorização do comitê organizador do CNA, iniciar conversas com o inimigo poderia ser visto como traição ou como oportunismo. Dar este primeiro passo para a paz exigiu coragem, determinação e perspectiva. Qualidades internas como essas são frequentemente consideradas como coisas que algumas pessoas têm e outras não. Essas qualidades, no entanto, estão ligadas a habilidades que podemos desenvolver e práticas que podemos aprender.

Pensar em coragem e determinação como coisas que fazemos e não como coisas que temos nos ajuda a desenvolver essas qualidades, que emergem de nosso envolvimento com situações reais e da dinâmica que surge de nossas interações. Essa abordagem é relacional, e chamamos a isso de poder-com.

1+1=2 e mais um pouco

Os debates que Mandela levou a cabo foram eficazes porque ambos os lados reconheceram que tinham muito a perder indo para a guerra e que ganhariam mais encontrando um caminho para a paz. Eles passaram de um modelo de conflito ganha-perde para um modelo que visa um resultado ganha-ganha. A alternativa às negociações provavelmente seria uma guerra na qual ambos os lados perderiam.

Poder-com se baseia em sinergia, onde duas ou mais partes trabalhando juntas trazem resultados que não teriam ocorrido se elas estivessem trabalhando sozinhas. Como algo novo e diferente emerge dessa interação, podemos pensar nisso como "1 + 1 = 2 e mais um pouco". Essa é outra maneira de dizer "o todo é mais do que a soma das partes".

Emergência e sinergia estão no cerne do poder-com. Elas geram novas possibilidades e capacidades, adicionando um elemento misterioso, o que significa que nunca podemos ter certeza de como será uma situação apenas olhando para os elementos contidos nela. Podemos conhecer a força do cobre e do estanho e, ainda assim, nos surpreendermos com a quantidade adicional de força que o bronze possui, resultante da mistura entre os dois materiais. O mesmo pode acontecer quando interagimos com outras pessoas com o mesmo propósito. D. H. Lawrence escreveu:

Água é H₂O, 

Duas partes de hidrogênio

Uma parte de oxigênio 

Mas há também uma terceira coisa que a torna água

E ninguém sabe o que é.

Um lugar onde podemos experimentar sinergia é no diálogo. Se ambos os lados tiverem a coragem e disposição de explorar um novo terreno, conversar e ouvir um ao outro pode ser aberto um espaço criativo, a partir do qual surjam novas possibilidades. Foi o que aconteceu nas negociações entre Mandela e F. W. de Klerk, o presidente sul-africano na época. Essa dupla improvável ganhou, em conjunto, o Prêmio Nobel da Paz em 1993 por seu feito extraordinário de navegar em direção a um acordo pacífico.”

Trecho do livro Esperança Ativa de Joanna Macy (página 108.)


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